Mudanças no setor automotivo têm englobado, além de novas tecnologias, mulheres mecânicas que querem de uma vez por todas fazer do setor o seu lar
Em parte devido à evolução tecnológica, o crescimento no setor de manutenção automobilística tem chamado a atenção de profissionais dos mais variados ramos. A antiga profissão “mão na graxa” se atualizou e hoje grande parte do trabalho é realizado por meio de ferramentas digitais e de precisão, exigindo assim muito mais conhecimento técnico do mecânico. Paralelamente, o cenário do mercado trabalhista mudou para as mulheres, não só por conta de direitos de gênero adquiridos, mas também porque com o passar dos anos, estereótipos femininos foram quebrados.
Manchetes e frases como “sexo frágil” são adjetivos praticamente excluídos do dia a dia, seja na oficina ou fora dela, apesar do setor automotivo ainda ser uma barreira difícil de ser permeada. Por outro lado, segundo o gestor de Projetos do SEBRAE-SP, Reginaldo de Andrade, muitas empresas do segmento automotivo estão procurando por mulheres para contratar em suas empresas.
“O nicho automotivo tem mudado bastante, pois muitas empresas estão fazendo projetos de inclusão destinados a mulheres. Esses projetos vêm muitas vezes de empresas novas, pois essas já chegam no mercado carregando filosofias de gênero muito mais igualitárias do que víamos anos atrás”, aponta Reginaldo.
O resultado está vindo aos poucos, e se reflete em histórias como a de Larissa Simoneti. Apesar de jovem, apenas 22 anos, já conseguiu ser um ponto de fissura na linhagem de homens nas oficinas da Volvo. Larissa é a única mulher mecânica na rede de concessionários da marca sueca no Brasil.
“Logo na entrevista eu já percebi que algo diferente estava por acontecer, pois a primeira coisa que o entrevistador me falou foi: ‘acho melhor você cortar as unhas caso passe, pois aqui o serviço na oficina é puxado’. Acho que esse não é um comentário comum nas entrevistas”, relembra Larissa em tom de brincadeira. A mecânica explica que há dois anos, quando entrou na área, se via em um beco sem saída, pois sua vida profissional foi transformada da água para o vinho.
“Quando eu estudava Eletrônica Automotiva na FATEC de Santo André/SP, de onde sou, achava que ia acabar virando professora, pois vagas para nós mulheres, nesse setor, são bem escassas. Mas o coordenador do meu curso me indicou para trabalhar na Volvo e em pouco tempo eu já tive que sair do ambiente de sala de aula, onde achei que iria ficar, para lidar com um trabalho braçal”.
COMPETÊNCIA CONTRA A DESCONFIANÇA
No começo, Larissa Simoneti precisou bastante da ajuda de seus colegas por entender mais de eletrônica do que de automóveis de fato, mas era algo que a incomodava, já que muitas vezes a qualidade de seus serviços prestados era colocada à prova: “Tudo que eu fazia tinha alguém que ia lá conferir se estava correto ou não. Hoje eu sei que não era com maldade, mas com isso, em alguns momentos, comecei a duvidar de mim mesma. No começo, meu serviço girava em torno de desconfianças”.
Mas nada como o tempo. Hoje, consolidada na oficina da concessionária Autostar da Volvo na Zona Oeste de São Paulo/SP, Larissa mostra que, independentemente do gênero, a adaptação a um mundo novo leva tempo, mas é muito gratificante ao final. “Aqui, a Volvo busca nivelar todos os mecânicos com cursos da marca, dos quais eu também sou a única mulher da turma até o momento. O primeiro nível que fizemos foi sobre a parte mecânica dos veículos, já o nível dois tratou de questões mais administrativas. Esse ano iremos fazer o nível três, focado em uma especialização, no qual irei mirar na parte de suspensão”, comenta.
A profissional fala com orgulho que está prestes a ganhar uma parceira de trabalho. “Uma colega que era de outra área interna virá trabalhar aqui com a gente. Fico feliz por isso, pois ela mesma já falou que o fato de ter uma mulher aqui na oficina foi um dos incentivos a desbravar um novo desafio”.
PAIXÃO E PERSEVERANÇA
Na cidade de Osasco/SP, Aline Maria da Silva, é mecânica do centro automotivo PneuLinhares. Aline se formou há pouco em mecânica e parece que já se encontrou profissionalmente. Segundo ela, desde pequena tem contato com mecânica e sempre teve paixão pela parte de freios e suspensão. “Não sei bem o que me levou a gostar tanto desses assuntos, mas sinto que me identifiquei, principalmente quando comecei a trabalhar com isso”, comenta. A vocação para a mecânica desperta em momentos que muitas vezes nem imaginamos, e como a própria Aline diz “o amor pela mecânica vem no dia a dia, com as coisas que aprendemos na prática”.
Um pouco mais distante, Angelita Martins, profissional que atua na Oficina Mecânica Moreira, em Alfenas/MG. Além de ser mecânica, Angelita também tem papel ativo de educadora no SENAI da cidade. Assim como Aline e Larissa, Angelita vê um mercado de mecânica automotiva ainda resistente a inserção de mulheres. “Aqui em Alfenas ainda não vejo mudanças significativas neste setor para nós mulheres, mas estou trabalhando para reverter a situação sendo pioneira na área por aqui”, declara.
Larissa Simoneti opina que o fato de ser uma mulher na oficina não é apenas uma quebra da ideia masculinizada da profissão, mas também uma oportunidade de mostrar saber usar as ferramentas e ter conhecimento técnico não depende do sexo. “Nós, mulheres, não queremos provar que somos melhores, mas sim capazes. Tenho certeza de que alguns clientes que vem aqui repensam o porquê nunca deram chance para uma mulher em alguns dos cargos dentro de suas empresas. Acho que só o fato de estar aqui já faz muitas pessoas refletirem seus preconceitos e julgamentos, pois me sinto e sou uma profissional tão preparada quanto qualquer outro”.
As três mecânicas comentam que é necessário de uma vez por todas desmistificar a ideia de que as mulheres não são capazes de serem tão boas quanto os homens na área automotiva e mostrar a outras mulheres que a manutenção automotiva pode ser tão encantadora quanto qualquer outra área. Para elas, estar no cargo que estão é um fato estimulante para que o mercado como todo comece a se adaptar mais rapidamente à presença feminina, assim como já estão se adaptando a presença da tecnologia, do conhecimento especializado, ou de qualquer outra mudança que a mecânica exija.
Texto Raycia Lima
Fotos Rafael Guimarães
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